EXAME DA CAVIDADE ORAL
Francisco Salvado
Rua Fialho de Almeida , 21, 1º piso
Lisboa
Tel. 219361150
( Texto de Apoio às aulas de Patologia e Cirurgia Oral e Maxilo Facial integradas no Curso de Cirurgia II da Faculdade de Medicina de Lisboa - os alunos devem consultar a bibliografia aconselhada)
A região da cavidade oral e órgãos anexos inclui a boca, glândulas salivares e o aparelho estomatognático composto pelas as estruturas ósteo musculares faciais e a articulação temporo mandibular.
A observação desta região deve ser efectuada de um modo ordenado para que nada seja esquecido e que se torne confortável para o doente. Não nos esqueçamos que manobras como a palpação do palato, ou das regiões mais posteriores da boca podem induzir o vomito .Se forem efetuadas no inicio da observação impede a conclusão do exame objectivo da cavidade oral.
Luvas de latex, uma fonte de luz direcionável , uma cadeira confortável, compressas, um espelho intraoral e estetoscópio são necessários para a observação da cavidade oral .
Efetua-se uma observação geral da face avaliando a coloração, simetria, existência de massas , implantação dos olhos do nariz e das orelhas, e sequelas de traumatismo ou feridas. Deficits de sensibilidade e alteração nos movimentos faciais são registados
A observação da boca deve ser um procedimento ordenado.
Começamos pelos lábios seguindo pela gengiva vestibular e lingual, mucosa jugal, dentes , língua , trígono retro molar, pavimento da boca e palato.
A mucosa labial deve ter uma coloração vermelha/rosa com hidratação mantida. Deve haver simetria labial (em repouso e assobiando) com selamento labial ( o lábio superior em repouso toca o lábio inferior). Cianose labial e palidez significam alterações do metabolismo do oxigénio e necessitam de ser esclarecidas com uma história cínica cardio pulmonar e/ou pesquisa de hábitos como o tabagismo. Assimetrias labiais podem corresponder a cicatrizes, mal formações ( ex. fendas labiais) ou alterações neurológicas ( ex. paralisia facial) A ausência de selamento labial pode corresponder a alterações esqueléticas ou a alterações de ventilação com predominância de respiração bucal e está associado a secura das mucosas, alterações da relação das arcadas dentárias , patologia do sono, maior incidência de caries dentárias ou patologia otorrino laringológica . Alterações de coloração, placas brancas ou hipertróficas devem ser vigiadas e tratadas pois podem significar patologia displásica ou neoplásica. Num País com radiação solar intensa a pesquisa de alterações do lábio inferior , sobretudo queratoses, é essencial como primeiro passo do diagnóstico precoce do cancro do lábio .
A palpação labial não é dolorosa e pode apresentar um granulação fina que corresponde à grande quantidade de glândulas salivares minor nesta região. Outras massas palpáveis devem ser definidas na sua localização, dimensão, mobilidade, dor associada e dureza.
A mucosa que cobre o osso mandibular justa dentária toma o nome de gengiva. À zona externa corresponde a gengiva vestibular por oposição à zona mais interna que toma o nome de gengiva lingual na arcada inferior e palatina na superior.
A zona mais próxima dos dentes ( cobrindo o osso alveolar ) é considerada gengiva aderida. A gengiva aderida tem uma cor rosada, ligeiramente rugosa, bem, ajustada aos colos dentários e sem sangramento espontâneo. A gengiva pode estar hipertrofiada por alterações congénitas , inflamatórias ou iatrogénicas ( mais frequente por medicamentos). As hipertrofias inflamatórias estão, mais frequentemente, relacionadas com a má higiene oral e presença de placa bacteriana sub gengival. O seu tratamento passa pela consulta com um Estomatologista/ Médico-dentista e/ou higienista oral e manutenção de um bom programa de higiene. Alguns medicamentos como a ciclosporina e a nifedipina podem provocar hipertrofia gengival que é agravada quando a higiene oral é pobre.
A mucosa jugal tem uma coloração rósea, com especto hidratado. Na zona média e com uma orientação horizontal é frequente encontrar, uma linha esbranquiçada por vezes mais dura e hipertrófica e que corresponde à zona de contacto dentário interarcadas (linha de oclusão). Na zona um pouco mais superior e posterior e por norma contactando com o 2º molar superior encontramos a carúncula do ostium de drenagem do canal de Stenon. Fazendo compressão da glândula parótida é visível a saída de saliva. Ausência de saliva ou drenagem de pus indica patologia parotídea ou do canal.
O exame dentário começa com a contagem dos dentes presentes nas arcadas (36). Os dentes distribuem-se nas arcadas dentárias por 4 quadrantes. (1º- superior a direita, 2º - superior a direita , 3º - inferior a direita e 4º - inferior a direita) . Referenciam-se os dentes com números de dois dígitos a: o 1º digito corresponde ao quadrante e o segundo a sua posição na arcada. Assim o incisivo central superior esquerdo será o dente 21, o ultimo dente superior à direita será o 18 ( siso)..
Na dentição decídua aos 1º,2º.3º e 4º quadrantes correspondem os 5º,6º,7º, e 8º. Assim o incisivo central decíduo superior esquerdo será o dente 61.
O gérmenes da dentição decídua desenvolvem-se a partir da sexta semana de vida intrauterina. A mineralização dentária ocorre por volta do 5º mês e termina depois do nascimento . Este factor faz com que agressões durante a gravidez ( por exemplo ingestão de tetraciclina ) possam resultar em alterações do esmalte .
Por norma os dentes decíduos mandibulares erupcionam um pouco antes do dentes correspondentes da maxila .
O calendário usual de erupção de dentes decíduos é o seguinte :
1. Incisivo central : 6 meses
2. Incisivo lateral : 8 meses
3. 1ª molar : 12 meses
4. Canino : 16 meses
5. 2º Molar : 20 a 30 meses
Considera-se que a criança deverá ter oito dentes no final do 1º ano , 16 no final do 2º ano e dentição decídua completa aos 3 anos de vida .Alguns dos gérmenes de dentes definitivos aparecem durante o período intrauterino ( 1º molar, incisivos inferiores, incisivos superiores e caninos). Todos os restantes evoluem após nascimento . O calendário usual de erupção dos dentes definitivos é o seguinte:
1º molar : 6 anos
1º incisivos: 6-7 anos
2º incisivo : 7-8 anos
1º pré-molar: 10 anos
caninos : 10-11 anos
2º perolar : 10-12 anos
2º molar : 12-13 anos
3º molar : 18-30 anos
Por norma os dentes mandibulares erupcionam antes dos da maxila com excepção dos pré-molares .
Muito raramente um ou mais dentes decíduos podem estar presentes na altura do nascimento ( dentitio precox) . Não tem significado patológico mas a sua presença pode impedir a amamentação obrigando à sua extracção.
Ausências dentárias podem corresponder a perdas por patologia dentaria, gengival ou a existência de dentes inclusos.
A observação dentária inclui não só a presença de caries dentárias, mas também o grau de higiene oral (presença de placa bacteriana, tártaro, restos alimentares etc.). Alterações grosseiras de posição dentária devem ser registadas e o doente deve ser enviado a um profissional da área. Dentes mal posicionados podem significar alterações do crescimento e desenvolvimento e, só por si, aumentam o risco de carie dentaria e patologia periodontal . A má relação das arcadas dentárias ( avanço da maxila ou da mandibula) devem ser registadas . Como regra geral a arcada superior deverá ser mais larga e longa que a arcada inferior embora tenha de se ter em conta alterações do crescimento e desenvolvimento.
A língua é o órgão mais volumoso da cavidade oral. Em repouso não é visível. Uma língua saudável não deve apresentar dor, sensação de ardor, edema, anestesias ou parestesias. Deve apresentar-se húmida, de cor rosa e com uma superfície rugosa
Observamos a língua com a boca aberta e pedindo ao doente para a colocar o máximo possível fora da cavidade oral . Deve apresentar uma forma simétrica com o rebordo regular . A presença de marcas dentárias no bordo lingual indica macroglossia (absoluta ou relativa). A língua pode apresentar alterações de cor sobretudo na sua região dorsal . Coloração branca generalizada é normalmente associada a hipertrofia reactiva das papilas linguais em resposta a agressões (ex. álcool). Pode no entanto significar infeção por fungos (cândida) ou incluir-se em lesões como o líquen plano. Colorações escuras estão associadas a hipertrofia papilar e/ou consumo de tabaco ou desinfetantes orais com clorhexidina
Lesões erosivas, brancas ou eritematosas com localização variada ao longo do tempo são características da língua geográfica a maior parte das vezes sem significado patológico e tratamento etiológico.
A observação do trígono retro molar não deve ser esquecida . É frequentemente sede de patologia inflamatório quando existem dentes do siso semi inclusos associados a má higiene oral da zona . Ulcerações ou lesões brancas devem ser despistadas pelo seu potencial maligno.
O exame objectivo do pavimento da boca só fica completo com a inspecção e palpação . A língua deve ser levantada observando-se o freio lingual , toda a superfície do pavimento e as carúnculas dos canais de Wharton. O freio deve ser elástico e ter uma dimensão que permita a mobilidade lingual . Efectuando compressão das glândulas submaxilares é possível observar a emissão de saliva através dos ostium dos canais de Wharton. A palpação bi digital do pavimento lingual deve registar a existência de massas ou de zonas dolorosas .
O palato deve ser observado através de visão directa e com um espelho de visão indirecta . Na zona mediana é visível o rafe mediano com zonas onduladas bilaterais na zona mais anterior do palato. A zona posterior do palato deve ser móvel com a fonação e a úvula devera estar centrada. Úvulas bífidas têm pouco significado patológico mas o seu desvio pode indicar patologia neurológica ou tumoral.
O exame do palato é essencial nos doentes que usam próteses removíveis que podem esconder lesões eritematosas mais ou menos generalizadas que correspondem a estomatite protética associada na maioria dos casos a má higiene oral com infeção por Candida Albicans.
As neoformações mais frequentes no palato são as exostoses com localização mediana , duras, não dolorosas e com forma irregular . Não têm significado patológico mas podem necessitar de ser eliminadas se interferirem com o uso de prótese com a fonação ou alimentação . Mais grave é o aparecimento de formações de consistência mais ou menos elásticas , não dolorosas e que dependem do desenvolvimento de tumores benignos ou malignos das glândulas salivares minor . Nestes casos o tratamento é cirúrgico.
Terminamos a observação da cavidade oral com o exame sumário da Articulação Temporo Mandibular . Esta estrutura articular é bilateral e faz parte do aparelho Estomatognático participando ativamente na função mastigatória, de fonação e deglutição. Pede-se ao doente para abrir e fechar a boca registando -se a presença de dor , desvio na abertura, amplitude da abertura ( em mm) , ruídos e ressaltos articulares durante o movimento. Ressaltos e ruídos articulares são um achado frequente e não indicam por si só a existência de patologia . Efetua-se a palpação da articulação na zona pré auricular bem como de todos os músculos mastigadores ao longo dos movimentos de abertura e encerramento da boca. Masséter, temporal, esternocleidomastóideo, pterigóideo externo são palpados diretamente em contração e e relaxamento. O pterigoideu interno é explorado pelos movimentos deque é responsável. Quando o doente refere a presença de ruídos a articulação deve ser auscultada localizando este sinal ao longo dos movimentos mandibulares.
O exame da cavidade oral é essencial no despiste das doenças orais . Deve ser executado em ambiente calmo, com uma boa fonte de luz, e não esquecendo a palpação e a auscultação.
Fig 1. Os passos mais importantes do autoexame da cavidade oral
BIBLIOGRAFIA
1. Fonseca R. et al (2009) “Oral and MaxilloFacial Surgery” 2ndEd, Elsiever Inc.
2. Ibsen O. et al,(2018) “Oral Pathology for the Dental Hygienist”,7nd ed. Elsiever Inc
3. Wood N et al ( 1997)Differential Diagnosis of Oral and Maxillofacial Lesions, 5e 5th Edition, Elsiever Inc
4. Hupp j. ( 2014) “Contemporary Oral and Maxillofacial Surgery”, 6e 6th Edition
5. Glick, M. (2015). Burkets oral medicine (12th ed.). Shelton, CT: Peoples Medical Publishing House USA.
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